Chega sem pressa, pede um café...

Um pouco de pai...



- Alô! Pode avisar todo mundo aí que acabou de nascer a menina mais linda do rio de Janeiro!


Tá bem que ele não foi muito verdadeiro, mas sabe como é pai recém nascido. A dona fotógrafa explicou esse "como" num clique. E eu adoro olhar essa foto. Adoro esse sorriso verdadeiro dele, tenho tanta saudade..Só trinta minutos de vida e eu sentia, juro que sentia,o primeiro homem no mundo me amando. O "primeiro da raça maldita", mas esse era meu. E ele não se conteve, teve que ligar e avisar todo mundo da existência de mais um serzinho. Mas eu era o serzinho dele, e ali o nosso mundo existia.


Hoje nossa ligação é curta. É rara, de longa distância e vive falhando. Não me lembro da última vez que vi um sorriso assim no rosto dele. Não me lembro da última vez que senti esse homem presente com tanto amor pra mim.E se eu vi, foi de relance. Ou com uma dessas técnicas que desenvolvi para incrementar a realidade que incomoda.


Eu não queria que fosse assim.Há uns anos atrás, no auge da minha adolescência, incluí na minha visão confusa do mundo essa nossa relação (que de relação pouco tem). Depois de muito sofrer, me culpar e esperar o inexistente, fiz o que mais odeio fazer nessa vida: me conformei.E hoje, mais do que me conformar, eu entendo. Entendo o jeito distante dele, entendo os motivos daquele olhar sério e entendo as diferenças que nos tornam tão opostos. Só há uma coisa que mesmo em 26 anos não entendi: a nossa capacidade indiscutível de nos decepcionarmos um com o outro.


Eu me decepcionei porque tentei te amar e você não quis. Me decepcionei, porque o mundo colocou pessoas cruéis na tua vida, que através de você, também foram cruéis com a minha. Me decepcionei porque, mesmo escrevendo cartas pra você duas vezes ao ano, desde os 7 anos, nunca recebi uma resposta. Me decepcionei, porque sua falta de amor me fez não saber exigir amor dos outros, nem de mim mesma. Me decepcionei por cada "eu te amo" que eu não ouvi e, se ouvi, foi tão baixo que meus sentidos não perceberam. E hoje me decepciono por continuar esperando o tom de voz daquela ligação.


Mas eu realmente entendo, porque ser paciente, além de ser o que eu melhor sei fazer nessa vida, é uma das poucas coisas que puxei dele. Não puxei o olho verde e a visão prática do mundo, mas puxei essa virtude, que bem utilizada pode me capacitar a fazer coisas impossíveis, como não morrer de inveja quando vejo um pai carinhoso.


Ser paciente. Ser pai ciente (eu não resisto). Ciente do quem eu sou e do que me faz feliz. Dois fatos básicos, invisíveis na mesma proporção. Na falta, eu tento tornar real, eu me viro, porque isso eu também sei fazer bem. E sigo buscando na vida algumas lições de ternura; buscando nos outros o orgulho que eu queria que viesse de você.. Me esforçando pra ser alguém, driblar teu negativismo e provar que eu posso ser digna da sua admiração.


Porque hoje eu sei me querer bem, cuidar de mim e plantar amor ao meu redor, mesmo sabendo que ele não crescerá no teu peito. Hoje eu sou sua filha, mas também sou meu pai. E posso, com respeito, amor no peito e coração quebrado, te ensinar um pouco sobre a vida. A minha, por exemplo.


Ainda te amo.

(Milena Gouvêa)